Existem diversas formas de se abordar o cinema dentro dele próprio. Há como os filmes acima citados fizeram: ambientar o filme dentro do próprio universo daqueles que os fazem, com os dramas de seus diretores, roteiristas, atores e equipe técnica. Existem, porém, outras formas. Às vezes, o filme dentro do filme não é uma camada o suficiente de comentário, e é necessário ir mais além. Um bom exemplo é o filme A Sombra Do Vampiro (Shadow of the Vampire - 2000). Não bastando apenas tratar das filmagens do Nosferatu (1922) de Murnau, o filme ainda injeta uma camada de horror acima da recriação do esforço de realizar aquele importante filme de vampiro; ele cria uma mitologia em cima da mitologia.
Ou então um diretor pode querer comentar especificamente sobre um gênero. A série Pânico, por exemplo, sob o manto do veterano Wes Craven, brinca com as convenções do horror, sobretudo do subgênero conhecido como “slasher”, que acomoda personalidades delicadas como a de Jason Voorhes, Michael Myers e Freddy Krueger. Craven cria um filme auto- consciente mas levado de maneira séria, criando inclusive um personagem que está ali unicamente para criar uma ponte com o fã de filmes de horror. Como este personagem morre no segundo filme, o terceiro leva a brincadeira metalinguística a outro nível: Um filme sobre o filme numa repetição da brincadeira que Craven já tinha feito, brilhantemente, no capítulo final da sére A Hora Do Pesadelo (Nightmare on Elm Street).
Jovens vítimas da cabana. |
E então há The Cabin In The Woods (lançado por aqui como "A Cabana na Floresta"). Embora, como mostrado acima, a ideia não seja nova, é sempre incrível como as mentes inquietas e criativas ao redor do mundo sempre encontram novas maneiras de expressa-la. Nesse caso, Drew Goddard, diretor iniciante apadrinhado pelo agora todo poderoso vingador Joss Whedon, brinca novamente com as mesmas premissas de Pânico, mas ao invés de apenas satiriza-las, ele se propõe o impossível: explica-las.
Quantas vezes nos perguntamos os motivos dos personagens agirem tão idioticamente em situações de extremo risco? E se eles – tinham – que agir daquela forma? Sem esconder o teor metalinguístico da trama desde o inicio, o filme acerta em não tentar tornar isso uma surpresa. As motivações, estas sim, são guardadas para mais além, mas o fato de que o filme não será um horror convencional é estampado desde o primeiro minuto pós créditos, no qual dois homens conversam sobre assuntos banais em algum lugar que parece não se relacionar com a trama principal do filme. Em dado momento, o titulo do filme aparece, com um som alto e estridente, como de praxe nos filmes de horror. A brincadeira é a seguinte: isso deveria acontecer após uma cena de abertura tensa, onde algum personagem é assassinado nos apresentando o monstro ou assassino do filme, e a forma com a qual o realizador vira isso de ponta a cabeça, sem cerimônias, já é um atestado da inteligência do que virá a seguir.
Conversa sobre assuntos banais em algum lugar que não parece se relacionar com a trama principal do filme. |
O filme não se contenta em fazer um comentário apenas em relação aos slashers; conforme a história avança, o comentário se estende ao cinema de horror como um todo (os comentários em relação aos japoneses são especialmente bem colocados, bastando lembrar da ascensão do horror nipônico nos últimos 10 anos no mercado mundial) e, em dado momento, se torna um comentário brilhante sobre nossa relação com o cinema em si. Um momento que retrata bem isto é quando um dos personagens encontra um espelho que possibilita enxergar o que acontece no quarto ao lado; a conveniência de haver uma outra personagem quase se despindo, do outro lado, sugere uma brincadeira com a qualidade de “voyeur” que o cinema nos dá. O mesmo comentário é martelado com as palavras de um dos “diretores” (num paralelo, agora óbvio, com o próprio diretor de um filme), enquanto assiste uma cena de sexo em uma floresta: “Não somos os únicos assistindo isso”.
A auto-consciência do filme é muito bem vinda: os atores que fazem os jovens interpretam perfeitamente os cinco arquétipos que estamos acostumados a ver nesses filmes. As brincadeiras vão além de satirizar as idiotices cometidas pelos personagens; em certo ponto, um personagem pergunta se os outros não estão ouvindo as mesmas vozes fantasmagóricas que ele houve (enquanto num filme normal, provavelmente o personagem guardaria a presença das vozes para si), e em dado momento, há uma brincadeira inclusive com aquele ponto convenientemente iluminado no meio do mato, onde algum casal vai resolver fazer sexo e, obviamente, morrer.
Apesar de nunca esconder o que é, comentar demais sobre The Cabin pode tirar o gostinho que algumas cenas podem causar, principalmente ao fã de filmes de horror que já se encontra completamente cínico em relação às convenções do gênero. Apesar do comentário metalinguístico sobre o gênero, esse é um filme que o respeita. Provavelmente a cena que melhor mostra é isso é a cena do porão. Quando os cinco jovens manuseiam objetos que nos remetem aos catalisadores dos problemas de outros filmes de horror, é que realmente cai a ficha sobre o significado do filme. "The Cabin In The Woods” não veio para meramente satirizar o gênero, ou comentar sobre a preguiça com a qual ele vem sendo conduzido nos últimos tempos. Com o universo criado nesse filme e as explicações dadas, ele tem um papel ainda maior. É um filme que conserta outros filmes, e você nunca mais terá que revirar os olhos quando um grupo de adolescentes se divide enquanto perseguidos por um assassino sanguinário. Ou uma multidão de zumbis. Ou uma matilha de lobisomens. Ou...
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