13/08/2012

O Garoto De Bicicleta



Embora o termo “audiovisual” seja jogado muito por aí para descrever o cinema, a verdade é que ele é um meio muito mais visual do que auditivo. Claro que sabemos que um bom desenho de som pode fazer toda a diferença, e que basicamente toda boa história é contada com elementos do som, e que embora tenhamos pelo menos 3 décadas de cinema mudo, bem, ele não era mudo completamente:  os diálogos nos cartões invadiam o nosso cérebro na forma das nossas vozes, ou para pessoas com uma maior boa vontade imaginativa, com as vozes que eles imaginavam para os personagens – e , claro, as trilhas sonoras já estavam lá, nos comunicando parte do sentimento e do clima.

Mas o que eu quero dizer é que, por mais que o som seja importante, no cinema existe uma preocupação muito maior com o campo visual,  com a eficiência do movimento em cena, com a consistência na troca de planos, e com todo os símbolos visuais envolvidos, desde a cor de uma roupa até a decisão do enquadramento. Digo isso tudo porque fico embasbacado com este filme dos irmãos Dardenne: se o cinema é mais calcado no que os olhos captam, porque progressivamente os filmes tem se tornado mais e mais preguiçosos, a ponto de lhe narrarem exatamente o que mostram? Porque, afinal, não temos mais filmes como este?

“O Garoto Da Bicicleta”, de 2011, é um feito que demonstra que as emoções mais cruas não precisam sempre de todo um aparato melodramático por trás para atingirem a todos, e que justamente por não se deixarem levar pelo vislumbre desmedido, os diretores acabam falando mais próximos ao nosso coração com uma facilidade assombrosa.

Cyril é um garoto confuso. Deixado pelo pai subitamente já com 10 anos, num orfanato, ele é adotado nos finais de semana por Samantha, mas ainda assim procura o pai e acaba descobrindo, de maneira seca e direta, o mundo brutal e injusto no qual vivemos. Cheio de planos longos e se utilizando espertamente da luz natural, os Dardenne mantém aqui uma coerência estética com o único outro filme deles que assisti, “O Filho”, de 2002, mas embora os filmes tratem do tema da busca, aqui não há o enfoque claustrofóbico que o filme anterior tem; as descobertas do protagonista, Cyril, tem um caráter muito mais inocente.

O que mais impressiona é justamente a dinâmica do “audiovisual” dentro do filme. Adotando a postura do “show or tell”, os Dardenne evitam a redundância narrativa com vigor, tornando tudo sempre mais interessante para o nosso lado. Por exemplo, em uma cena em que o protagonista joga videogame na casa de um quase desconhecido, que até há pouco lhe era hostil, o que poderia ser um diálogo “bate e bola” acaba se tornando basicamente um monólogo, tamanho o cuidado dos diretores (e também roteiristas) em manter as repostas de Cyril no nível do que é apenas necessário.

Ainda nesta cena, há um elemento de tensão crescente com o qual os diretores trabalham de forma a sempre esconder qual será o desdobramento da cena; de fato ficamos nos perguntando qual é a intenção do rapaz que convida Cyril a sua casa, e há um sentimento de medo pelo destino do garoto que se torna crescente. Outra cena que ilustra bem a maestria dos irmãos nesse tipo de cena é quando, num dado momento, o garoto retorna ao pai com dinheiro ilícito. O take continuo do pai abrindo a porta e depois voltando para o restaurante com Cyril observando a ação se desenrolando pela janela, nos cria mais tensão que talvez uma cena cuidadosamente iluminada e lotada de planos.

Essa espécie de estoicidade narrativa, beirando a “secura”, é justamente o que torna o filme mais humano. Momentos nos quais as emoções explodem geralmente são tomadas de completo silêncio, ampliando a emoção na tela de uma forma quase palpável. Talvez o mais curioso seja quando percebemos, dentro desse silêncio todo, que o protagonista possui um tema próprio, que toca brilhantemente nos momentos em que acontece algo que o transforma.

“O Garoto Da Bicicleta” encerra com uma cena de teor enigmático, que culmina no silêncio e na tensão que citei. É de uma honestidade intelectual enorme, já que não se preocupa em satisfazer o espectador com certezas. E podem ter certeza, esse é um dos sinais de um grande filme.

O ator mirim Thomas Doret junto dos diretores Jean-Pierre e Luc Dardenne

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