09/02/2012

Sobre um enigma mais do que mundano



Assistindo TV esses dias, me deparo com uma exibição de “Homem-Aranha 3” em algum canal a cabo. Um filme terrível, é verdade, principalmente pelo roteiro atabalhoado e pelas decisões estranhas de Sam Raimi que permeiam toda a história. Mas o que mais me impressionou foi o quanto os efeitos do filme (que é de 2007!) já estão terrivelmente datados – Peter Parker trajado do seu famoso alter-ego não parece muito diferente de um personagem de videogame balançando por entre prédios.
Acredito que o maior testamento da força de um efeito especial seja o seu legado, e o fato de que ele continua sendo efetivo mesmo décadas depois, quando as tecnologias que nos proporcionam essa faceta do espetáculo visual cinematográfico já avançaram a largos passos, quase extinguindo a profissão de artesão de efeitos práticos.
Era um trabalho muito mais estressante. Os efeitos eram todos produzidos no próprio set, e caso um ator errasse algo no take, era necessário reproduzir o efeito totalmente, em oposição aos efeitos de computação gráfica, que são todos adicionados na pós-produção. Caso a prótese fosse destinada a ser destruída em cena, e algo desse errado, então... Trabalho árduo por água abaixo. Mas era uma dor de cabeça que muitas vezes se pagava: “Alien”, “Um Lobisomem Americano em Londres”, “ET”, “Tubarão”, “Evil Dead 2”, “O Exterminador Do Futuro” (sendo o segundo filme também conhecido por seu fantástico uso inicial de computação gráfica, que não parece ter envelhecido tanto justamente porque era brilhantemente usado em parceria aos efeitos práticos do mestre Stan Winston), são todos filmes cujos efeitos, no geral, permanecem fortes até hoje.
Entendo que muita dessa credibilidade dos efeitos puramente físicos é a de que, mesmo que às vezes a movimentação do boneco seja dura, ou que os lábios não se movam exatamente em sincronia com a voz, ou ainda mesmo que só se use planos fechados porque só foi desenvolvido metade do boneco, o que importa é que ele é orgânico, está ALI – impressão superior a causada pela computação gráfica, que na maior parte dos casos nos deixa aquela impressão de “vazio” – e de que o ator está evidentemente contracenando com o nada.
Quatro parágrafos dentro do texto, e ainda não falei do filme do qual quero tratar – “O Enigma Do Outro Mundo”, ou simplesmente “The Thing”, de 2011. Mas achei que a exposição inicial era necessária, para eu situar vocês exatamente no centro do abismo entre a execução deste prelúdio (que se passa um dia antes do original) e o filme de 1982 de John Carpenter, que considero a obra máxima de horror/ficção (e também sobre paranoia) de todos os tempos.
Primeiramente: o filme de 2011 não se decide se é, de fato, um prelúdio ou uma refilmagem. Claro que olhando a obra por inteiro, entende-se que é sim uma história anterior. Mas existem decisões de roteiro e de direção que nos fazem pensar sobre quais eram as intenções iniciais – e deixa a dúvida se o filme não era de fato um remake na primeira versão do roteiro, que se transformou em algo diferente posteriormente, mas ainda carregando muito de sua intenção inicial.
Cenas inteiras praticamente copiadas e coladas do filme de 1982 – como a cena na qual todos os personagens ainda vivos estão ao redor do cadáver flamejante de um dos alienígenas, a céu aberto, enquanto a protagonista explica a verdade sobre a aterradora situação. A cópia não se dá apenas nos acontecimentos, mas também nos ângulos de câmera e na direção geral (nesta cena citada, por exemplo, mantém-se a intercalação entre planos médios e planos fechados, aumentando a tensão e dando a impressão de como eles estão juntos, mas ao mesmo tempo isolados uns dos outros), o que nos faz pensar em outras coisas além da simples homenagem.
A tensão brilhantemente construída no filme original é capturada apenas em pouquíssimas cenas, dando espaço para o famigerado “susto fácil”, regra do medíocre cinema de horror que reina hoje nos multiplex. Isso não seria um grande problema se não fosse totalmente incongruente com o que já era estabelecido sobre o alienígena: para quem gosta de capturar suas vítimas uma por uma, isoladamente, e copiá-las, até que este parece gostar de dar um showzinho.
As inconsistências, aliás, se estendem a outros momentos, e quebram a importante lógica interna que um filme, por mais fantasioso que seja, deve ter: uma vez estabelecidas as regras daquele universo, não se deve quebrá-las sem maiores explicações. No entanto, o próprio modus-operandi do organismo alienígena varia (ele tem que, enfim, absorver alguém para depois imitá-lo, ou ele pode simplesmente tocar em alguém e se fundir a esta pessoa?), traindo coisas básicas explicadas no filme original e inclusive neste.
Mas, confesso, fã do original como sou, eu perdoaria tudo isso se eu pudesse ter um vislumbre dos gloriosos efeitos práticos do passado – efeitos estes que ajudam a manter o filme original tão alto na minha lista de preferidos. Infelizmente, fui sumariamente ignorado. O nível da computação gráfica só pode ser definido como “bagaceiro” – efeitos digitais tão ruins que muitas vezes não batem nem com os frames no qual foram inseridos, dando aquela impressão de “treme-treme”, como se estivesse planando sobre a tela. Em algumas cenas, quando é usado com cautela, não ofendem. Mas nas transformações completas das criaturas, parecem ter saído direto de algum jogo de videogame da geração passada.
Essa é apenas a cereja podre no topo desse sundae aguado: um filme que mesmo que não tivesse qualquer ligação com o “The Thing” original não seria nada mais que medíocre. É reto, sem imaginação, mal-acabado e dá a impressão de que todos os envolvidos fizeram o filme no mais absoluto tédio. Uma tremenda decepção, mas eu já deveria esperar.
E o mais triste de tudo isso?




Saber que foram feitos diversos efeitos práticos e animatrônicos fantásticos, mas que foram todos revestidos de CGI vagabunda no final é o que mais me dói.

Um comentário:

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