Assistindo TV esses dias, me
deparo com uma exibição de “Homem-Aranha 3” em algum canal a cabo. Um filme
terrível, é verdade, principalmente pelo roteiro atabalhoado e pelas decisões
estranhas de Sam Raimi que permeiam toda a história. Mas o que mais me impressionou
foi o quanto os efeitos do filme (que é de 2007!) já estão terrivelmente
datados – Peter Parker trajado do seu famoso alter-ego não parece muito
diferente de um personagem de videogame balançando por entre prédios.
Acredito que o maior testamento
da força de um efeito especial seja o seu legado, e o fato de que ele continua
sendo efetivo mesmo décadas depois, quando as tecnologias que nos proporcionam
essa faceta do espetáculo visual cinematográfico já avançaram a largos passos,
quase extinguindo a profissão de artesão de efeitos práticos.
Era um trabalho muito mais
estressante. Os efeitos eram todos produzidos no próprio set, e caso um ator
errasse algo no take, era necessário reproduzir o efeito totalmente, em
oposição aos efeitos de computação gráfica, que são todos adicionados na
pós-produção. Caso a prótese fosse destinada a ser destruída em cena, e algo
desse errado, então... Trabalho árduo por água abaixo. Mas era uma dor de
cabeça que muitas vezes se pagava: “Alien”, “Um Lobisomem Americano em
Londres”, “ET”, “Tubarão”, “Evil Dead 2”, “O Exterminador Do Futuro” (sendo o
segundo filme também conhecido por seu fantástico uso inicial de computação
gráfica, que não parece ter envelhecido tanto justamente porque era
brilhantemente usado em parceria aos efeitos práticos do mestre Stan Winston),
são todos filmes cujos efeitos, no geral, permanecem fortes até hoje.
Entendo que muita dessa
credibilidade dos efeitos puramente físicos é a de que, mesmo que às vezes a
movimentação do boneco seja dura, ou que os lábios não se movam exatamente em
sincronia com a voz, ou ainda mesmo que só se use planos fechados porque só foi
desenvolvido metade do boneco, o que importa é que ele é orgânico, está ALI –
impressão superior a causada pela computação gráfica, que na maior parte dos
casos nos deixa aquela impressão de “vazio” – e de que o ator está
evidentemente contracenando com o nada.
Quatro parágrafos dentro do
texto, e ainda não falei do filme do qual quero tratar – “O Enigma Do Outro
Mundo”, ou simplesmente “The Thing”, de 2011. Mas achei que a exposição inicial
era necessária, para eu situar vocês exatamente no centro do abismo entre a
execução deste prelúdio (que se passa um dia antes do original) e o filme de
1982 de John Carpenter, que considero a obra máxima de horror/ficção (e também
sobre paranoia) de todos os tempos.
Primeiramente: o filme de 2011
não se decide se é, de fato, um prelúdio ou uma refilmagem. Claro que olhando a
obra por inteiro, entende-se que é sim uma história anterior. Mas existem decisões
de roteiro e de direção que nos fazem pensar sobre quais eram as intenções
iniciais – e deixa a dúvida se o filme não era de fato um remake na primeira
versão do roteiro, que se transformou em algo diferente posteriormente, mas
ainda carregando muito de sua intenção inicial.
Cenas inteiras praticamente
copiadas e coladas do filme de 1982 – como a cena na qual todos os personagens
ainda vivos estão ao redor do cadáver flamejante de um dos alienígenas, a céu
aberto, enquanto a protagonista explica a verdade sobre a aterradora situação.
A cópia não se dá apenas nos acontecimentos, mas também nos ângulos de câmera e
na direção geral (nesta cena citada, por exemplo, mantém-se a intercalação
entre planos médios e planos fechados, aumentando a tensão e dando a impressão
de como eles estão juntos, mas ao mesmo tempo isolados uns dos outros), o que
nos faz pensar em outras coisas além da simples homenagem.
A tensão brilhantemente
construída no filme original é capturada apenas em pouquíssimas cenas, dando
espaço para o famigerado “susto fácil”, regra do medíocre cinema de horror que
reina hoje nos multiplex. Isso não seria um grande problema se não fosse totalmente
incongruente com o que já era estabelecido sobre o alienígena: para quem gosta
de capturar suas vítimas uma por uma, isoladamente, e copiá-las, até que este
parece gostar de dar um showzinho.
As inconsistências, aliás, se
estendem a outros momentos, e quebram a importante lógica interna que um filme,
por mais fantasioso que seja, deve ter: uma vez estabelecidas as regras daquele
universo, não se deve quebrá-las sem maiores explicações. No entanto, o próprio
modus-operandi do organismo alienígena varia (ele tem que, enfim, absorver
alguém para depois imitá-lo, ou ele pode simplesmente tocar em alguém e se
fundir a esta pessoa?), traindo coisas básicas explicadas no filme original e
inclusive neste.
Mas, confesso, fã do original
como sou, eu perdoaria tudo isso se eu pudesse ter um vislumbre dos gloriosos
efeitos práticos do passado – efeitos estes que ajudam a manter o filme
original tão alto na minha lista de preferidos. Infelizmente, fui sumariamente
ignorado. O nível da computação gráfica só pode ser definido como “bagaceiro” –
efeitos digitais tão ruins que muitas vezes não batem nem com os frames no qual
foram inseridos, dando aquela impressão de “treme-treme”, como se estivesse
planando sobre a tela. Em algumas cenas, quando é usado com cautela, não
ofendem. Mas nas transformações completas das criaturas, parecem ter saído
direto de algum jogo de videogame da geração passada.
Essa é apenas a cereja podre no
topo desse sundae aguado: um filme que mesmo que não tivesse qualquer ligação
com o “The Thing” original não seria nada mais que medíocre. É reto, sem
imaginação, mal-acabado e dá a impressão de que todos os envolvidos fizeram o
filme no mais absoluto tédio. Uma tremenda decepção, mas eu já deveria esperar.
E o mais triste de tudo isso?
Saber que foram feitos diversos
efeitos práticos e animatrônicos fantásticos, mas que foram todos revestidos de
CGI vagabunda no final é o que mais me dói.