16/05/2012

Corações Não Assim Tão Bondosos



            No decorrer das eras, é interessante notar o quanto as diferentes formas de arte influenciam umas as outras. É comum encontrar musica influenciada por filmes de horror, assim como filmes influenciados por música (como Woody Allen e seu amor por jazz que pulsa por provavelmente todos seus filmes, pelo menos os ambientados em Nova Iorque). Da mesma forma, e provavelmente numa frequência maior, temos filmes influenciados por escritores – ao ponto de darmos um termo que remeta diretamente a um autor.
            Temos filmes, por exemplo, “dostoievskianos”. Claro que isso pode representar um alusão a faceta de abordar personagens cuja introspecção se faz ouvida (ou não há um pouco do protagonista de  Notas Do Subsolo em todos os problemáticos do cinema, como Travis Binkle?) ou aquela fatalista e irônica, do destino guiado por aleatoriedades (como o declaradamente influenciado “Match Point”, de Woody Allen, e que não é a única obra desse autor, confessadamente fã de Dostoievsky , a ter esse tom).
            “Kind Hearts and Coronets” (As Oito Vitimas),  filme de 1949 de Robert Hamer, estrelando Alec Guiness (que manteve uma parceria com o diretor em mais filmes) faz um misto de ambas as categorizações da influência do escritor russo:  o personagem de Guiness nos revela seus pensamentos através da narração ao mesmo tempo que os acontecimentos se dão até chegar num ápice dostoieviskiano.
            Através de uma narrativa bem contida e sem muitas firulas, Hamer torna o que poderia ser uma corriqueira história de vingança e assassinato num interessante estudo de personagem. Reforça essa noção ainda o fato de se tratar de, à princípio, um anti-herói, mas que é espertamente desconstruído através da duração do longa. A maior prova de que este foi o melhor caminho é de que, de fato, sentimos simpatia pelo personagem,  e esta simpatia perdura até mesmo depois que ele toma atitudes moralmente duvidosas, até para um anti-herói.
            É nesse tom, de típico Dostoievski,  que o protagonista se utiliza de subterfúgios, como a “missão” de vingar a mãe, mas que nada mais são mascaras para esconder os seus verdadeiros motivos mesquinhos (é só notar como ele reclama durante bom tempo do filme das coisas que ele tem que fazer para poder sobreviver, como se estivessem roubando dele uma posição mais nobre na sociedade – um comportamento nada humilde).
            Relacionado ao fato do filme tratar um vilão como anti-herói, é o clima tranquilo com o qual as mortes são tratadas – não há qualquer ponta de drama exagerado, e os assassinatos são tratados quase como brincadeira.  A calma e o teor irônico da narração de Guiness ainda servem para exacerbar esta noção.
            Por fim, impossível deixar de notar a incrível multiplicação de Guiness (impossível não falar dele repetidamente – ele é o astro do show aqui, acima de tudo) em oito (!) personagens, feito que, aliado ao trabalho de maquiagem de mais de 60 anos atrás, impressiona muito mais do que as peripécias semelhantes da atualidade. Sim, é de você mesmo que falo, Eddie Murphy.

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