Desde
Cesare servindo de fantoche para o Dr. Caligari, as psicopatias tem servido ao
Cinema. Das obsessões de Travis Binckle aos acessos psicóticos de Norman Bates,
da doença o personagem de Al Pacino em "Insônia" a esquizofrenia do
protagonista de Clube da Luta (1999)
- spoilers, ops. Os mistérios da mente sempre foram um campo fértil para muitas
historias.
De
todas estas, a esquizofrenia talvez seja a que mais rende, pois os sintoma mais
característico da doença, a alucinação, permite que um cineasta dê vazão a
torrente audiovisual própria da sétima arte. Porém, é necessário a mão de um diretor
talentoso e de um roteirista sem medo de tornar o filme complexo, para a doença
não ser retratada de forma simplista como "o protagonista é o assassino,
te pegamos!", como diversos longas atuais fazem (vide Amigo Oculto (2004) - spoilers novamente).
Felizmente,
o caminho trilhado pelo protagonista de Take
Shelter (2011) - que saiu por aqui como O
Abrigo - é dos mais emaranhados: a história de um homem obcecado com as
visões que tem de uma tempestade iminente e que se vê obstinado a construir um
abrigo subterrâneo em sua propriedade é conduzido de forma magistral. Jeff
Nichols, neste seu segundo longa, subverte um pouco o clichê cansado do
"foi tudo um sonho" dando diversas pistas durante o filme que fazem o
espectador genuinamente se perguntar qual é a natureza do que Curtis,
personagem de Michael Shannon, vê.
Shannon,
cuja única outra interpretação que lembro está em Foi Apenas Um Sonho (2008) - e lembro dele se destacar neste filme
- leva basicamente o filme nas costas, carregando o semblante da extrema
confusão que seu personagem se encontra, de forma magnífica. Jessica Chastain,
que também teve outro papel de mãe em A
Árvore da Vida (2011) de Terrence Malick, mostra a mesma leveza que naquele
longa, numa relação de "proximidade distante" sempre evidente com o
marido.
O Abrigo é um filme que mantém as suas
próprias regras intactas do início ao fim, sem apelar para soluções de última
hora para solucionar a trama. O final, apesar de surpreendente, não contém
aquela carga de surpresa de filmes como Sinais
(2002) - filme ao qual O Abrigo me
remete em clima, mas apenas isso; estamos falando aqui de um filme muito
superior - porque todas as pistas já estão ali. Mesmo assim, a direção
absolutamente segura nos faz trocarmos uma teoria por outra sem nos sentirmos
enganados por alguma mudança abrupta da lógica do longa.
É
interessante notar também, como o filme faz uso de efeitos de computação
gráfica de forma eficaz, sem tirar o clima de seriedade da história. É o tipo
de coisa que justifica o uso dessa tecnologia, como auxílio em tornar possível
detalhes e cenas que não seriam viáveis de outra forma e não como
muletas para apoiar uma narrativa inteira.
Tão
absorvente e inquietante como outras obras sobre um tema parecido, Alucinações Do Passado (1990), O Abrigo é uma das obras mais
significativas sobre o que chamamos vulgarmente de
"loucura" e merece ser visto por todos que remotamente se interessem
pelo tema. É um filme em que cada segundo é bem pensado e construído, com
detalhes da primeira cena se repetindo na última de forma a até deixar
arrepiado o espectador mais atento.
Assista
ao trailer e bom filme!
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