09/04/2012

Le Cercle Rouge


            O cinema de aventura e ação japonês dos anos 50, sobretudo a trilogia principal sobre samurais de Kurosawa composta de “Sanjuro”, “Yojimbo” e, anterior a estes, “Os Sete Samurais”, revolucionou a imagem do “mocinho”. Estas obras deram origem não só a adaptações quase diretas como “Sete Homens e um Destino” e “Por um punhado de dólares” de Leone, mas também influenciaram muito da figura do anti-herói moderno, o policial durão mas comprometido com a lei, o pistoleiro sem nome do velho oeste e basicamente qualquer forma de personagem que, embora não seguisse de forma absoluta a lei dos homens, sempre tinha uma consciência e, por que não dizer, um coração.
            É importante notar que essa influência, além de passar pelo cinema americano, foi também assimilada pelo cinema europeu, influenciando o subgênero “polizieschi” , que fazia parte do cinema popular dos italianos, que consistiam geralmente em um único personagem, um policial lidando com alguma faceta do crime organizado do país. Mas paralelamente, um cineasta chamado Jean Pierre Melville já havia se apoderado de muito destes conceitos orientais para criar “Le Samourai”, sua obra prima, e posteriormente “O Circulo Vermelho”.
            Abrindo o filme com uma citação de Buda, o título já remete automaticamente à bandeira nipônica. A história que gira em torno de dois bandidos, um em fuga e o outro recém saído da prisão, que se encontram por acaso e desde então formam uma forte aliança, poderia ter saído diretamente de algum conto sobre ronins no Japão Imperial. É interessante notar que Meville continua a estética narrativa de “Le Samourai”, que resume-se em mostrar pouco para dizer muito, também insistindo em Alain Delon como protagonista. Ator este que mesmo sem ter 1/10 da virilidade estampada na cara de um Clint Eastwood, consegue passar credibilidade o suficiente para ter uma aura de durão.
            O tema do círculo é representado não só pela metáfora do encontro dos personagens e do elo que surge entre eles, mas em diversos momentos do filme vemos referências ao título, como no contraste dos semáforos avermelhados com a fotografia em tons de azul e cinza, que dão um clima extremamente melancólico ao longa. É interessante notar como essas cores conseguem infectar até a visão que temos dos personagens, criaturas que jamais esboçam um sorriso, o que nos faz pensar em como esta obra e outras de mesma sensibilidade possam ter influenciado o cinema de ação moderno, sobretudo filmes como os da série “Bourne”. Até nos momentos diurnos, o céu jamais deixa de dar a impressão de estar nublado.
            A direção de Meville favorece muito o suspense, que é criado de formas às vezes inusitadas, como na cena em que o protagonista joga sinuca em um bar. É nos mostrado que o lugar está vazio e o personagem de Delon dá suas tacadas, com a câmera captando a imagem de forma completamente vertical, de cima para baixo e fechado exatamente nos limites da mesa do jogo. De repente, percebemos que há outra pessoa no local agora, simplesmente porque um segundo taco entra no campo da imagem, se chocando contra outra bola de bilhar (e, é claro, são duas bolas brancas e uma vermelha, dando continuidade nas referências de Meville ao nome da obra). São momentos como esse, ou em outros como a revelação do destino de uma possível amante do protagonista logo no início do filme, que arrepiam qualquer cinéfilo que procure por uma narrativa que fuja do banal.
            Destaque também para a sequência do roubo no final do filme. Deliciosamente concebida de forma até um pouco exagerada, Meville dá ênfase nos sons e em como no silêncio completo da madrugada qualquer coisa pode soar muito mais alta do que é. Dirigida de forma extremamente detalhista, o diretor tenta nos deixar a par de cada porta aberta e fechada, nos fazendo imaginar em que ponto aquilo tudo poderá dar errado. Detalhismo este, inclusive, que se estende à composição dos personagens secundários, como o detetive solitário encarregado do caso e do seu zelo pelos seus gatos, ou da melancolia do ex-policial que os ajuda, cuja cena de apresentação nos dá dicas sobre seu estado atual.
            E é claro que no final frio e até anticlimático, Meville nos deixa claro que, acima de tudo, seus personagens não precisam de muito, nem de lágrimas, nem de grandes feitos para confiarem uns nos outros. Pequenos gestos são os gatilhos para a cumplicidade entre eles e a confirmação da sensação que temos no começo, de que uma vez dentro do Circulo Vermelho, tudo está destinado a terminar dentro dele.

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