O
cinema de aventura e ação japonês dos anos 50, sobretudo a trilogia principal
sobre samurais de Kurosawa composta de “Sanjuro”, “Yojimbo” e, anterior a
estes, “Os Sete Samurais”, revolucionou a imagem do “mocinho”. Estas obras
deram origem não só a adaptações quase diretas como “Sete Homens e um Destino”
e “Por um punhado de dólares” de Leone, mas também influenciaram muito da
figura do anti-herói moderno, o policial durão mas comprometido com a lei, o
pistoleiro sem nome do velho oeste e basicamente qualquer forma de personagem
que, embora não seguisse de forma absoluta a lei dos homens, sempre tinha uma
consciência e, por que não dizer, um coração.
É
importante notar que essa influência, além de passar pelo cinema americano, foi
também assimilada pelo cinema europeu, influenciando o subgênero “polizieschi”
, que fazia parte do cinema popular dos italianos, que consistiam geralmente em
um único personagem, um policial lidando com alguma faceta do crime organizado
do país. Mas paralelamente, um cineasta chamado Jean Pierre Melville já havia
se apoderado de muito destes conceitos orientais para criar “Le Samourai”, sua
obra prima, e posteriormente “O Circulo Vermelho”.
Abrindo
o filme com uma citação de Buda, o título já remete automaticamente à bandeira
nipônica. A história que gira em torno de dois bandidos, um em fuga e o outro
recém saído da prisão, que se encontram por acaso e desde então formam uma
forte aliança, poderia ter saído diretamente de algum conto sobre ronins no
Japão Imperial. É interessante notar que Meville continua a estética narrativa
de “Le Samourai”, que resume-se em mostrar pouco para dizer muito, também
insistindo em Alain Delon como protagonista. Ator este que mesmo sem ter 1/10 da virilidade estampada na cara de um Clint Eastwood, consegue
passar credibilidade o suficiente para ter uma aura de durão.
O
tema do círculo é representado não só pela metáfora do encontro dos personagens
e do elo que surge entre eles, mas em diversos momentos do filme vemos
referências ao título, como no contraste dos semáforos avermelhados com a
fotografia em tons de azul e cinza, que dão um clima extremamente melancólico
ao longa. É interessante notar como essas cores conseguem infectar até a visão
que temos dos personagens, criaturas que jamais esboçam um sorriso, o que nos
faz pensar em como esta obra e outras de mesma sensibilidade possam ter
influenciado o cinema de ação moderno, sobretudo filmes como os da série
“Bourne”. Até nos momentos diurnos, o céu jamais deixa de dar a impressão
de estar nublado.
A
direção de Meville favorece muito o suspense, que é criado de formas às vezes inusitadas, como na cena em que o protagonista joga sinuca em um bar. É nos mostrado que
o lugar está vazio e o personagem de Delon dá suas tacadas, com a câmera
captando a imagem de forma completamente vertical, de cima para baixo e fechado
exatamente nos limites da mesa do jogo. De repente, percebemos que há outra
pessoa no local agora, simplesmente porque um segundo taco entra no campo da
imagem, se chocando contra outra bola de bilhar (e, é claro, são duas bolas
brancas e uma vermelha, dando continuidade nas referências de Meville ao nome
da obra). São momentos como esse, ou em outros como a revelação do destino de
uma possível amante do protagonista logo no início do filme, que arrepiam
qualquer cinéfilo que procure por uma narrativa que fuja do banal.
Destaque
também para a sequência do roubo no final do filme. Deliciosamente concebida
de forma até um pouco exagerada, Meville dá ênfase nos sons e em como no
silêncio completo da madrugada qualquer coisa pode soar muito mais alta do que
é. Dirigida de forma extremamente detalhista, o diretor tenta nos deixar a
par de cada porta aberta e fechada, nos fazendo imaginar em que ponto aquilo
tudo poderá dar errado. Detalhismo este, inclusive, que se estende à composição
dos personagens secundários, como o detetive solitário encarregado do caso e do
seu zelo pelos seus gatos, ou da melancolia do ex-policial que os ajuda, cuja
cena de apresentação nos dá dicas sobre seu estado atual.
E
é claro que no final frio e até anticlimático, Meville nos deixa claro que, acima de tudo, seus personagens não precisam de muito, nem de lágrimas, nem de
grandes feitos para confiarem uns nos outros. Pequenos gestos são os gatilhos
para a cumplicidade entre eles e a confirmação da sensação que temos no
começo, de que uma vez dentro do Circulo Vermelho, tudo está destinado a
terminar dentro dele.
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